domingo, 28 de fevereiro de 2010

"O Norte", de Miguel Esteves Cardoso

'Primeiro, as verdades.
O Norte é mais Português que Portugal.
As minhotas são as raparigas mais bonitas do País.
O Minho é a nossa província mais estragada e continua a ser a mais bela.
As festas da Nossa Senhora da Agonia são as maiores e mais impressionantes
que já se viram.
Viana do Castelo é uma cidade clara. Não esconde nada. Não há uma Viana
secreta. Não há outra Viana do lado de lá. Em Viana do Castelo está
tudo à vista. A luz mostra tudo o que há para ver. É uma cidade
verde-branca.
Verde-rio e verde-mar, mas branca. Em Agosto até o verde mais escuro, que se
vê nas árvores antigas do Monte de Santa Luzia, parece tornar-se
branco ao olhar. Até o granito das casas.

Mais verdades.

No Norte a comida é melhor.
O vinho é melhor.
O serviço é melhor.
Os preços são mais baixos.
Não é difícil entrar ao calhas numa taberna, comer muito bem e pagar uma
ninharia.
Estas são as verdades do Norte de Portugal.
Mas há uma verdade maior.
É que só o Norte existe. O Sul não existe.
As partes mais bonitas de Portugal, o Alentejo, os Açores, a Madeira,
Lisboa, et caetera, existem sozinhas. O Sul é solto. Não se junta.
Não se diz que se é do Sul como se diz que se é do Norte.

No Norte dizem-se e orgulham-se de se dizer nortenhos. Quem é que se
identifica como sulista?
No Norte, as pessoas falam mais no Norte do que todos os portugueses juntos
falam de Portugal inteiro.

Os nortenhos não falam do Norte como se o Norte fosse um segundo país.
Não haja enganos.
Não falam do Norte para separá-lo de Portugal.
Falam do Norte apenas para separá-lo do resto de Portugal.
Para um nortenho, há o Norte e há o Resto. É a soma de um e de outro que
constitui Portugal.

Mas o Norte é onde Portugal começa.
Depois do Norte, Portugal limita-se a continuar, a correr por ali abaixo.
Deus nos livre, mas se se perdesse o resto do país e só ficasse o
Norte, Portugal continuaria a existir. Como país inteiro. Pátria mesmo, por
muito pequenina. No Norte.
Em contrapartida, sem o Norte, Portugal seria uma mera região da Europa.
Mais ou menos peninsular, ou insular.
É esta a verdade.
Lisboa é bonita e estranha mas é apenas uma cidade. O Alentejo é especial
mas ibérico, a Madeira é encantadora mas inglesa e os Açores
são um caso à parte. Em qualquer caso, os lisboetas não falam nem no Centro
nem no Sul - falam em Lisboa. Os alentejanos nem sequer falam do
Algarve - falam do Alentejo. As ilhas falam em si mesmas e naquela entidade
incompreensível a que chamam, qual hipermercado de mil
misturadas, Continente.
No Norte, Portugal tira de si a sua ideia e ganha corpo. Está muito
estragado, mas é um estragado português, semi-arrependido, como quem
não quer a coisa.

O Norte cheira a dinheiro e a alecrim.

O asseio não é asséptico - cheira a cunhas, a conhecimentos e a arranjinho.
Tem esse defeito e essa verdade.

Em contrapartida, a conservação fantástica de (algum) Alentejo é impecável,
porque os alentejanos são mais frios e conservadores (menos
portugueses) nessas coisas.

O Norte é feminino.

O Minho é uma menina. Tem a doçura agreste, a timidez insolente da mulher
portuguesa. Como um brinco doirado que luz numa orelha
pequenina, o Norte dá nas vistas sem se dar por isso.

As raparigas do Norte têm belezas perigosas, olhos verdes-impossíveis,
daqueles em que os versos, desde o dia em que nascem, se põem a
escrever-se sozinhos.

Têm o ar de quem pertence a si própria. Andam de mãos nas ancas. Olham de
frente. Pensam em tudo e dizem tudo o que pensam. Confiam, mas não
dão confiança. Olho para as raparigas do meu país e acho-as bonitas e
honradas, graciosas sem estarem para brincadeiras, bonitas sem serem
belas, erguidas pelo nariz, seguras pelo queixo, aprumadas, mas sem vaidade.
Acho-as verdadeiras. Acredito nelas. Gosto da vergonha delas,
da maneira como coram quando se lhes fala e da maneira como podem puxar de
um estalo ou de uma panela, quando se lhes falta ao respeito. Gosto
das pequeninas, com o cabelo puxado atrás das orelhas, e das velhas, de
carrapito perfeito, que têm os olhos endurecidos de quem passou a vida
a cuidar dos outros. Gosto dos brincos, dos sapatos, das saias. Gosto das
burguesas, vestidas à maneira, de braço enlaçado nos homens.
Fazem-me todas medo, na maneira calada como conduzem as cerimónias e os
maridos, mas gosto delas.

São mulheres que possuem; são mulheres que pertencem.

As mulheres do Norte deveriam mandar neste país.

Têm o ar de que sabem o que estão a fazer. Em Viana, durante as festas, são
as senhoras em toda a parte.
Numa procissão, numa barraca de feira, numa taberna, são elas que decidem
silenciosamente.

Trabalham três vezes mais que os homens e não lhes dão importância especial.
Só descomposturas, e mimos, e carinhos.

O Norte é a nossa verdade.

Ao princípio irritava-me que todos os nortenhos tivessem tanto orgulho no
Norte, porque me parecia que o orgulho era aleatório. Gostavam do
Norte só porque eram do Norte. Assim também eu. Ansiava por encontrar um
nortenho que preferisse Coimbra ou o Algarve, da maneira que eu,
lisboeta, prefiro o Norte. Afinal, Portugal é um caso muito sério e compete
a cada português escolher, de cabeça fria e coração quente, os
seus pedaços e pormenores.

Depois percebi.

Os nortenhos, antes de nascer, já escolheram. Já nascem escolhidos. Não
escolhem a terra onde nascem, seja Ponte de Lima ou Amarante, e apesar
de as defenderem acerrimamente, põem acima dessas terras a terra maior que é
o 'O Norte'.

Defendem o 'Norte' em Portugal como os Portugueses haviam de defender
Portugal no mundo. Este sacrifício colectivo, em que cada um adia a sua
pertença particular - o nome da sua terrinha - para poder pertencer a uma
terra maior, é comovente.

No Porto, dizem que as pessoas de Viana são melhores do que as do Porto. Em
Viana, dizem que as festas de Viana não são tão autênticas
como as de Ponte de Lima. Em Ponte de Lima dizem que a vila de Amarante
ainda é mais bonita.
O Norte não tem nome próprio. Se o tem não o diz. Quem sabe se é mais Minho
ou Trás-os-Montes, se é litoral ou interior, português ou galego?
Parece vago. Mas não é. Basta olhar para aquelas caras e para aquelas casas,
para as árvores, para os muros, ouvir aquelas vozes, sentir
aquelas mãos em cima de nós, com a terra a tremer de tanto tambor e o céu em
fogo, para adivinhar.

O nome do Norte é Portugal. Portugal, como nome de terra, como nome de nós
todos, é um nome do Norte. Não é só o nome do Porto. É a maneira
que têm de dizer 'Portugal' e 'Portugueses'. No Norte dizem-no a toda a
hora, com a maior das naturalidades. Sem complexos e sem
patrioteirismos. Como se fosse só um nome. Como 'Norte'. Como se fosse assim
que chamassem uns pelos outros. Porque é que não é assim que nos
chamamos todos?'

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Poema (em vez de crítica) para António Sérgio, de Manuel Alegre

O prof. José Manuel Conceição apresentou um poema de Manuel Alegre no final da palestra que realizou sobre António Sérgio, no passado dia 19 de Fevereiro. Por ser um poema muito bonito, que nos faz reflectir sobre a dúvida, o espírito crítico, o não conformismo, a busca..., parece-me importante divulgá-lo aqui. É uma visão do poeta sobre este intelectual português :
Poema (em vez de crítica) para António Sérgio
Alguns procuravam a salvação
embebedavam-se de metafísica e de palavras.
Tu não propunhas solução:
interrogavas.
Alguns perdiam-se muito
drogavam-se com miragens: coisas misteriosas e excessivas.
Tu despiste a casaca do Absoluto
e vieste arranhar (arranhar-te) nas pedras vivas.
Alguns coroavam Ubu
de rei Artur.
Tu soubeste dizer que o rei vai nu
E estavas contra em tempo de ser por.
Alguns vestiam-se de Quinta Essência
embalsamavam-se na farda do Crês Ou Não Crês.
Tu chegavas às portas da evidência
pelos caminhos do talvez.
Pedias uma crítica: só posso uma canção.
Que poeta eras tu: demolidor do mito e da certeza
abriste as avenidas da discussão
nesta apagada e vil tristeza.
E quando outros (em nome da Fé)
matavam com fé a nossa crença
tu disseste que todo o dogma é uma doença
e ensinaste-nos a crença do porquê.
Manuel Alegre
Luísa Godinho

Evocação de figuras da História e da Cultura portuguesas










O grupo de História tem no seu Plano Anual de Actividades o projecto de evocação de figuras da História e da Cultura portuguesas. Essas personalidades foram escolhidas segundo o critério de, não obstante o relevo da sua acção, estarem pouco estudadas ou terem sido "esquecidas" pelos programas e manuais escolares. É neste contexto que, com o apoio da Biblioteca na nossa Escola e da Casa António Sérgio, está patente no primeiro andar uma exposição sobre António Sérgio, da qual fazem parte diversos trabalhos de alunos das turmas do 9º ano, do 10ºC e do 11ºG.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Palestra sobre António Sérgio


No âmbito das actividades do Grupo de História e da Biblioteca da nossa Escola, realizou-se na passada sexta feira uma palestra sobre António Sérgio (1883-1969) da responsabilidade do professor José Manuel Conceição. Conforme o próprio explicou aos presentes (alunos do 9º, 10º e 12º anos e algumas professoras), foi com a idade dos nossos jovens que travou conhecimento com o pensamento do autor, o qual o fascinou sobremaneira pelo incitamento ao espírito crítico. A partir daí leu e recolheu uma vasta bibliografia de António Sérgio, seguindo as diferentes áreas do seu pensamento, desde a ciência, à filosofia, à política, à história...
Sérgio não se identificou completamente com qualquer dos regimes políticos que a sua vida abarcou (a Monarquia ou a República) e foi preso por cinco vezes durante a ditadura salazarista. Reflectiu intensamente sobre a problemática da educação, colaborou em várias revistas e deixou uma vasta bibliografia teórica. Introduziu em Portugal a ideia do corporativismo.
António Sérgio foi, acima de tudo, um defensor do pensamento crítico e da liberdade.
A biografia do autor e a síntese do seu pensamento foram-nos apresentadas com o brilhantismo , o entusiasmo e a vasta cultura que todos reconhecem no prof. José Manuel Conceição. A sessão terminou com um poema de Manuel Alegre sobre Sérgio e a audição de um excerto de uma entrevista de Igrejas Caeiro a António Sérgio.

Luísa Godinho

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Situada mesmo em frente da Igreja Matriz de Oeiras, a rua Febus Moniz é uma das ruas mais antigas de Oeiras, senão a mais antiga. Para quem sai da Igreja, é, talvez, o caminho mais curto para chegar aos antigos aposentos do Conde de Oeiras, o que prova a importância que teve noutros tempos, antes de existir a rua principal da vila, a rua Cândido dos Reis. O nome Febus Moniz revela um sentimento anti-castelhano das gentes de Oeiras. Para mim, os nomes das ruas e das avenidas devem ser uma espécie de engramas colectivos, registos da nossa memória histórica. Curiosamente, está na moda, hoje, atribuir nomes de flores, de árvores, como por exemplo, a rua das rosas, dos goivos, das tulipas, etc., enfim, termos mais ou menos assépticos, que denunciam a desmemorização histórica da pós-modernidade, em que vivemos. Quem atribuiu o nome de Febus Moniz a essa rua exígua, mas que outrora teria sido a maior e a mais importante rua de Oeiras, quis, muito provavelmente, homenagear esse grande português e, sobretudo, manter viva a identidade de Portugal e honrar o corajoso povo de Lisboa, num período em que as classes nobres se acobardaram e muitos atraiçoaram a memória dos seus antepassados.

Quem foi afinal Febus Moniz? Febus Moniz nasceu em 1515 e foi um fidalgo muito estimado na corte de D. Catarina e de D. Sebastião. Desempenhou vários cargos no Paço, dos quais se destacou, em 1580, a eleição para Procurador às Cortes de Almeirim. Em Almeirim, marcou, com a sua presença, a força do espírito português da independência do reino. Descendente de família ilustre, cavaleiro da Ordem de Cristo e camareiro de El-Rei, desempenhava o cargo de presidente da Assembleias dos deputados da Vila e Cidades, quando das terras marroquinas de Alcácer Quibir, veio a notícia do desaparecimento do jovem Rei D. Sebastião, que, com o seu exército, tinha sido derrotado pela força inimiga, no dia 4 de Agosto de 1578.

Em 11 de Janeiro de 1580, reúnem-se as Cortes para discutir a eleição do Rei português, que deveria substituir o Cardeal-Rei D. Henrique, já velho e doente.

Já durante as reuniões preparatórias e nas assembleias, Febus Moniz terá produzido várias intervenções, com grande carga emotiva. Nestes actos e nas Cortes, e apesar dos seus 64 anos, defendeu sempre a causa da independência nacional, com grande patriotismo. Representando o povo, pediu que entregassem o reino a um governante português, ao que se opuseram os membros do clero e da nobreza.

De entre os procuradores das várias cidades do reino, foi dos que melhor defendeu a causa da independência portuguesa, proclamando a vergonha de se aceitar um rei estrangeiro. Assim, perante as Cortes, Febus Moniz agiu como procurador do povo de Lisboa, fazendo ouvir a sua voz exaltada por um sentimento patriótico, mas de tom firme, autoritário e seguro, apesar da sua idade já avançada. Disse, de olhos nos olhos, ao Cardeal-Rei:

”Que Vossa Alteza oiça o povo e se tiver direito a eleger, eleja rei português, porque, sendo castelhano não será recebido nem obedecido”.

Quando o medroso Cardeal D. Henrique reconheceu ao soberano espanhol o direito do trono português, Febus Moniz ficou desesperado por ver que o país iria cair nas mãos de um monarca estrangeiro.

Após a dissolução das Cortes, Febus Moniz retirou-se para Santarém, afastando-se de uma causa já irremediavelmente perdida.

Quando Filipe II subiu ao poder, ordenou a prisão de Febus Moniz (e de todos aqueles que se lhe tinham oposto), vindo este a morrer, no cárcere, poucos dias depois, no ano de 1580.

José António, prof. de Filosofia da ESQM

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A Terra Fria


Ontem, dia 18, tivemos (professores e alunos do 11ºE) o grande privilégio de acompanhar o David Silva no lançamento do seu primeiro livro de poemas, A Terra Fria. Foi um serão inesquecível junto do David, dos seus pais e de amigos que se reúnem regularmente para desfrutar do prazer da poesia. Amantes da palavra escrita, declamada e musicada, proporcionaram-nos um momento cultural muito singular. Ouvimos poemas do David e de outros autores, poesia em mirandês, gaita de foles, canções populares...
No final da sessão o colega de turma João Mateus pediu a palavra e enalteceu o David, particularmente pela pessoa distinta que ele é. O João transmitiu o sentimento de todos nós.
Curiosamente, uma senhora sentada à minha frente perguntou, em seguida, qual era a escola dos jovens. Respondi-lhe que eram da Quinta do Marquês. - Que sorte têm os professores dessa escola!, concluiu a referida senhora.
Temos, realmente. muita sorte!

Luísa Godinho

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Adesão da Turquia: sim ou não?


A Turquia vive um conflito entre os islâmicos moderados e os fundamentalistas. Felizmente, o governo e a maioria das patentes das forças armadas são moderados, mas precisam da ajuda dos países democráticos para evitar que a Turquia se transforme num país fundamentalista. Convém não esquecer que a Turquia tem o sétimo exército mais poderoso do mundo.

Quando estive em Istambul, vi, no estreito do Bósforo, várias plataformas petrolíferas. Instambul é uma cidade verdadeiramente cosmopolita e ocidental. Na avenida principal de Istambul, visitei uma lindíssima igreja cristã e não era a única em Istambul. Penso que a Turquia, desde a visita de Barak Obama, deixou de estar interessada em aderir à U. E., vamos lá saber qual a razão?!... A U. E. perdeu, desde há algum tempo, a sua identidade, sobretudo, a partir da adesão dos países do leste, ex-comunistas. Neste momento, aquilo que denominamos U.E. é um conjunto de estados diversos, em que alguns deles nunca foram um bom exemplo de democracia e que vivem em situações políticas muito periclitantes, como é o caso da Ucrânia. Os recentes países que aderiram à U.E. estão longe de cumprir os critérios de Copenhaga, mas, no entanto, nem por isso deixam de pertencer à União.

Na verdade, qual o interesse da Turquia em entrar numa U.E., uma União com 85 milhões de pobres, repito 85 milhões de pobres, e mais de 25 milhões de desempregados? A Turquia continua a ser um país da N.A.T.O. de corpo inteiro, com o apoio militar da maior potência mundial, os E.U.A.

Lamento, mas a E.U. não é herdeira desse “espírito ocidental”, mas, sim, de uma economia de mercado que colide, há muito, com os valores cristãos, valores que não são abstractos, uma vez que estão explícitos nas encíclicas dos Papas contemporâneos, João XXIII, (Pacem in Terris) Paulo VI (Populorum Progressio), João Paulo II (Laborem Exercens), (Centesimus Annus), Bento XVI (Caritas in Vertitate). Lamento, mas o projecto Europeu constituiu, a meu ver, um projecto de despiritualização, de materialização dos valores europeus, dominados por uma ideologia tecnocrata, sem rosto e niilista. O problema da U.E. não é a Turquia, mas a própria U.E.

http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate_po.html

José António, Prof. de Filosofia da ESQM