quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

III Parte – “A face oculta do Marquês de Pombal

O pequeno fidalgo Sebastião José de Carvalho e Mello livrou-se, assim, dos seus maiores e mais poderosos inimigos políticos, e, a partir dessa noite, poderia dormir descansado. Logo após o sacrifício humano do dia 13 de Janeiro, o Rei, como que num gesto de agradecimento, promove-o, oferecendo-lhe o título de Conde de Oeiras. Teria tido esta criatura algum arrependimento por tão horrendos crimes? Tanto quanto se sabe, existe apenas uma carta dirigida a D. Maria I, em que pediu desculpa à piedosa soberana, já durante seu desterro em Pombal, abandonado pelos seus principais bajuladores e pela maioria dos seus amigos, atacado por uma doença semelhante à lepra, que o transformava, pouco a pouco, numa chaga viva, e era frequentemente sujeito a interrogatórios de juízes do reino. Desculpa de quê? Este pedido de desculpa seria sintoma de algum arrependimento pelos crimes cometidos?
No fundo, o que o Marquês de Pombal, apesar de ter sido o mais hábil político do seu tempo, dotado de uma formidável inteligência, de uma poderosíssima capacidade estratégica, não poderia prever é que a execução do Duque, descendente do Rei D. João II, e dos Marqueses cuja linhagem remontava à fundação do condado Portucalense e do reino de Leão, abriria um procedente gravíssimo. Na verdade, não foi necessário esperar muito tempo para ver um horrendo espectáculo semelhante ao do dia 13 de Janeiro de 1759, só que o palco das tétricas execuções não seria a cidade de Lisboa, mas a cidade de Paris, e a mulher altiva que colocara a cabeça no cepo do carrasco não era D. Leonor, mas a própria rainha de França, D. Maria Antonieta, e o homem que a acompanhara ao cadafalso, também ele condenado à pena capital por alta traição à Pátria, era o seu marido, o Rei Luís XVI, parente do Rei D. José I. Entre as duas execuções apenas residia uma ligeira diferença, a saber, a turba que assistia ao espectáculo revelava-se mais eufórica e descontrolada. Revelava-se, assim, com muita fria nitidez, à luz do dia, o produto do Absolutismo, de que Pombal fora um dos maiores construtores.
Saciadas as paixões de El-Rei, D. Maria Teresa, a Duquesa nova, foi enclausurada no convento de Santos, de, por decisão real, foi-lhe atribuída uma abastada tença. É claro que a todos infelizes supliciados lhe foram confiscados todos os seus bens, até ao último alfinete. Curiosamente, no final do exercício do seu cargo, o pequeno fidalgo Sebastião de Carvalho e Mello tornar-se-ia um dos homens, senão o homem, mais rico de Portugal, enquanto, paradoxalmente, e ao contrário do que se afirma, D. Maria I, quando ascende ao trono, herda do seu pai, D. José I, uma situação financeira deplorável. No entanto, graças à determinação desta soberana e à inteligência arguta do seu Primeiro-Ministro, Luís Pinto de Sousa Coutinho, as finanças públicas recuperam e ressurge um novo fôlego intelectual em Portugal. Para esta regeneração espiritual, muito contribuiu o Duque de Lafões, um homem notável, tio da soberana, que pôde regressar do exílio logo após a exoneração do Primeiro-Ministro Sebastião de Carvalho e Mello.
Os crimes do Conde de Oeiras, crimes legitimados por razões de estado, como é óbvio, não se ficaram pelas macabras execuções do dia 13 de Janeiro de 1759. Quase todos os Távoras foram perseguidos, mesmo os parentes mais afastados dos infelizes sentenciados. Nobres como o Marquês de Alorna, o Conde de S. Lourenço, o Visconde de Vila Nova da Cerveira, tal como muitos outros fidalgos da primeira linhagem foram encarcerados nas masmorras sem julgamento, sem mesmo saber o motivo da sua reclusão. Muitas vezes, denúncias anónimas bastavam para ser preso e torturado. Muitos morreram pouco depois de ser presos, devido às condições desumanas das prisões. Algumas pessoas, mal informadas ou um pouco distraídas, pensarão que o famigerado Marques de Pombal perseguiu apenas nobres importantes do Reino, tal como os Távoras ou o Duque de Aveiro, pois, estão redondamente enganados. O povo foi quem mais sentiu na carne e na alma as barbaridades do “iluminado” Pombal. Não poderemos esquecer a repressão que se abateu sobre a população do Porto, durante os acontecimentos que ficaram denominados historicamente pela “revolta dos bêbados” e, ainda, a imolação pelo fogo de uma aldeia de pescadores com cerca de 300 pessoas, incluindo mulheres e crianças, em Porto Brandão, na margem esquerda do rio Tejo.
Pombal foi o construtor do centralismo económico do Estado, de que nunca conseguimos libertar-nos, apesar das boas tentativas do 1º liberalismo. Talvez, por esta razão, tenha, ainda hoje, muitos admiradores. Mas esta é uma outra questão, que teremos todo o prazer em, mais tarde, discutir.

Bibliografia:
Antunes, Manuel (Org.),(1982) No centenário do Marquês de Pombal, in Brotéria, Volume 114, Maio/Julho
Antunes, Manuel (Org.), (1982) No centenário do Marquês de Pombal, in Brotéria, Volume 115, Agosto/Setembro/Outubro
Domingues, Mário (1963) Marquês de Pombal - O homem e a sua época, Livraria Romano Torres, Lisboa

José António Pereira da Silva
Professor de Filosofia da ESQM



6 comentários:

  1. Ó Colega, está a ser altamente provocador!!!

    Devo acrescentar à referência que faz às perseguições sofridas pelo povo miúdo, que há registos de queixas dos habitantes das terras de Oeiras, por razão do peso excessivo dos impostos locais fixados pelo Conde de Oeiras. Também o terramoto serviu de pretexto para o fidalgo e seus irmãos alargarem o seu património, adquirindo propriedades na região, por terem sido severamente atingidas pelo sismo e pelo maremoto, e os proprietários não conseguirem, ou não estarem interessados, na sua recuperação. Quanto aos valores pagos, há estudiosos que advogam que houve seriedade nessas transacções. Duvido que o Colega acredite nisso, dada a "face oculta" que nos quis revelar, mas como não tive acesso às fontes, não posso confirmar nem recusar.

    Luísa Godinho

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  2. Esclareça melhor, colega, por favor, a relação que encontra entre o suplício e assassinato dos Távora e da congénere fidalguia (1759) e o assassinato dos monarcas de França(1793). ???
    Luísa Godinho

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  3. ...O branqueamento de uma das faces do dito "pequeno fidalgo", é um fenómeno tipicamente português, embora não exclusivamente português, que se deve, em minha opinião, a uma postura errada,quanto ao modo como se analisa. O analista, ou se coloca a favor ou contra... e numa personalidade como o Marquês de Pombal, dentro desta lógica, para se elogiar uma face tem que se ocultar outra!...
    Este artigo integra-se neste estilo de análise dicotómica.
    Será que o motivo pelo qual nunca nos libertámos do centralismo económico do estado, também se deve ao Marquês de Pombal?
    Em todo o caso foi bem escolhido o dia para homenagear as pessoas barbaramente assassinadas.
    Deixo uma ideia para pensarmos: que força é esta, que um homem teve e ainda parece ter, que depois de quase virada a primeira década do século XXI ainda consegue "arrancar" estas paixões!
    Isabel Isidoro

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  4. Grande comentario, a exposiçao desta face do Marques so veio enriquecer-nos e a este blog. Esclareceu-me bastante, fico à espera de mais comentarios assim. Toca a historiar!

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  5. Ainda algumas questões para pensarmos: 1-tornou-se quase regra na Europa do século XVII a centralização do poder com a consequente perda de privilégios por parte da nobreza; 2-essa tendência veio a terminar no despotismo do século XVIII; 3- O Marquês foi muito determinado na sua acção seguindo a linha governativa da época; 4- nesse sentido preparou o terreno para a revoluçaõ liberal do século XIX; 5- promoveu a burguesia; 6- desenvolveu como ninguém tinha feito até ai esforços para a abolição da escravatura; 7 - é sabido que a Companhia de Jesus foi criada como instrumento da contra reforma a fim de melhor ser combatido o ensino inovador promovido pelos humanista; 8- é igualmente conhecido, que os "estrangeirados"e outras gentes cultas do reino(e não só o Marquês de Pombal) viam no ensino liderado pelos jesuitas um travão ao movimento das academias iluminista.
    Uma última pergunta: Não terão as fontes em que se baseia "a face oculta..."como pano de fundo ou condicionante mental o conservandorismo de quem não conseguia sentir o lado inovador da expulsão dos jesuitas...Ao que sei o autor dos livros da Brotéria é o Padre Manuel Antunes, amigo de António Sérgio e de importantes homens de cultura da sua época, de quem não cheguei a ter o prazer de ser aluna, que embora tenha encantado com o seu saber e humanismo muitas pessoas e especialmente os seus alunos na Faculdade de Letras ...não deixou de ser um padre jesuita...

    Isabel isidoro

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